In memoriamO Boginhas
Como alguns de voces já sabem o meu estimado e querido Boginhas morreu. Deu o seu ultimo sopro a alguns dias atras.
Custumava dizer quando as pessoas entravam no meu carro, em jeito de brincadeira que era o carro do ano, como era de facto, ano apos ano, muito depois de ja nao ganhar o trofeu, muito depois de deixar de ser belo, ou mesmo moderno, continuou a ser o carro do ano.
Recordo-me das viagens em familia quando era mais pequeno, ao som de police, ouvindo roxete, ou every breath you'll take, que acabavam sempre nos mesmos sitios; na ericeira para andar de patins e com sorte um jogo de mini golfe, em torres vedras para comprar o delicioso pao que por ali se faz, e como de costume comer um frango assado na casa da minha tia, ou entao ao extinto parque de monsanto, onde se podia andar de patins, baloico, comer gelado e entrar dentro de um aviao. Em todas estas o Boginhas comportou-se com toda a graça, elegançia e segurança de quem transporta uma familia lá dentro, a quem é confiado o bem mais precioso de todos, a vida.
Não foram as sucessivas viagens ao algarve, ou mais longe ainda que o impressionavam, nem tao pouco as manhas frias, quando o volante se colava aos nossos dedos de tao frio que estava que o impediram de fazer a sua funçao. O calor de verao tambem nao o assustava, sabia-lhe bem, mesmo sendo todo preto e nao tendo ar condicionado.
Os longos quilometros foram sempre feitos com a certeza de quem sabe o que quer, e para onde vai, os sustos foram muitos, nao por culpa do carro, que esse heroicamente salvava sempre o dia, mas sim por culpa de outros que nao estavam conscientes do ouro que o Boginhas transportava.
Carro de podios, foi sempre nele que muitas coisas foram estreadas pela primeira vez, primeiros caminhos desvendados. Foi ele que transportou a minha familia para esta casa nova, quando a outra ficou velha. Foi tambem nele que a minha mae, a minha irma, o meu amigo tiago, a minha amiga marta, a ... cristina, e eu conduziram, alguns pela primeira vez, outros para ganhar confiança para tantos quilometros que fizeram, ou farao, noutros boginhas, os deles. Nunca se queixou, nem tao pouco mostrou cansanço ou falta de vontade em ensinar.
Quando sonhava em tirar a carta no 12º, foi assunto de muitas conversas de adolescente sobre o potencial do seu banco traseiro, ou mesmo sobre um potente sistema de som que iria pedir em muitos natais, mas que esqueci sempre de o mencionar.
Recordo-me que foi num desses natais que me ofereceram uma prenda que ficara para sempre associada ao meu carro, um letreiro como os da radio que diz On Air, mas a dizer SEX -in progress, que se acendia com o toque de um botao, para ser estrategicamente colocado na chapeleira. Liguei-o mais vezes pelo gozo de o ter ligado que para ter sexo, embora até hoje tenha alguma dificuldade em explicar algumas manchas no banco traseiro, ou mesmo o facto de dizer sempre que o mesmo é confortavel e espaçoso.
O Boginhas nao fez so isto, fez muito mais, salvou-me a vida em tantas ocasioes, que sao dificeis de enumerar aqui.
Apesar de nao ter uma unica estrela, foi nele que embateram varios carros, e sempre sairam ilesos os seus ocupantes. O mesmo ja nao se pode dizer dos outros carros, que sempre que tinham a triste ideia de lhe bater sairam sempre mais magoados que o se suponha de confronto tao desigual.
O recorde está em tres batidas na traseira, sendo que uma foi letal para o outro carro, uma muito custosa para o matiz que se atreveu a dizer que travava bem na chuva, e uma que ate se revelou em favor do boginhas, que lhe tirou uma irritante placa na matricula com um nome de um manel GT qualquer - o boginhas nao era de ninguem!-
Talvez mais que todas estas tenha sido a ultima que mais me marcou, e a quem por hoje tenho que agradecer quem sou e onde estou.
Numa manha fria de fevereiro, quando me dirigia para o martirio da universidade e para mais um teste de ingles, um senhor de amarante que conduzia um grande camiao decidiu por a prova a resistencia do meu boginhas, salvou-me a vida o carro, com a sua porta, impediu que eu ficasse de modo algum aleijado. Ja o mesmo nao se pode dizer do outro veiculo, um camiao de imensas rodas que amolgou desde a escada da entrada ao para-choques. Ficou mais cara a reparaçao do camiao que do boginhas. Quem o mandou meter-se com o boginhas? eh eh
Muitos foram os caminhos por onde os sinais eram contrarios, e por onde so jipes andavam, jipes e o boginhas. Sem se queixar, e tendo sempre como recompesa um banho no dia seguinte.
Muitos foram os beijos trocados, e muitas vezes agradeci aos ceus o facto de o banco do pendura ir todo para tras com um simples toque na alavanca. A magia desses momentos nao tem preço, e deixa marca...
Cheguei mesmo a ouvir, "nunca troques de carro". Nunca o fiz, troquei a gaja, porque era uma chata, mas o carro ficou ate hoje. lol
Foram os piores e os melhores momentos que ficaram para sempre marcados na minha memoria. E em todos o facto deste nosso boginhas nunca falhar. Andava e pronto. O resto era para os outros.
Vejo-me forçado a comprar outro, mas é deste que vou sentir falta, é deste que irei contar historias durante muitos anos, e é deste que vou para sempre guardar as mais doces recordaçoes.
Que as estradas do ceu estejam cobertas de ouro para as tuas rodas passarem em caminho à eternidade.
Celebre-se pois a vida do Boginhas!
RACTOR